segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ABPF E O RESTO

RSD-8 e seu comboio chegam a Jaguariúna em sua primeira viagem. Foto Vanderley Zago

Há três semanas atrás, fui à viagem inaugural da locomotiva RSD-8 da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro, promovida pela ABPF de Campinas.

Ora, dirão alguns, como isso? Afinal, essa locomotiva já rodava na Paulista nos seus ramais de bitola métrica nos anos 1960: ramal de Nova Granada, de Jaboticabal, de Ribeirão Bonito. Puxavam carros de passageiros. Esses ramais acabaram todos no finalzinho de 1968.

Depois disso, as locomotivas, depois de alguns anos, foram puxar as composições do TIM em Santos até o final do século XX.

Enfim, se a Paulista e o TIM não existem mais, como houve a inauguração citada?

Ora, uma das poucas - senão a única - RSD-8 que sobrou foi restaurada nos seus mínimos detalhes e no dia 6 de setembro último partiu da estação de Anhumas para Jaguariúna puxando um carro-restaurante da Mogiana, dois Budds da Sorocabana, um carro-administração também da Mogiana... uma composição que nos tempos passados jamais existiu, mas que mostrou um pouco do que foram as estradas de ferro paulistas.

Esta, enfim, é a função da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. Há quase já quarenta anos ela realmente preserva o que foi a ferrovia paulista e brasileira um dia. Fizeram e continuam fazendo um bom trabalho. Têm uma linha própria, que um dia foi uma parte da linha-tronco da Mogiana, mais especificamente de 1926 a 1977. É ali que rodam os trens paulistas, que vieram da Mogiana, Sorocabana, Paulista e Noroeste.

Todos os fins de semana, feriados e até em dias de semana. Um pouco mais e seria uma linha de horários, comercial, com idas e voltas. Não é esse o objetivo, porém. Além disso, o objetivo é mostrar o que São Paulo conseguiu fazer durante anos até ser destruído por gente sem qualquer visão.

Além disso, um trem de horários precisaria hoje em dia ter linhas novas, muito mais longas do que a da ABPF e carros os mais novos possíveis. Do contrário, não terão como competir com as rodovias, com ônibus...

Se a ABPF, com vontade e com voluntários, consegue, por que nossos governos não conseguem? Por que uma CPTM não consegue entrar com trens para o interior? Por que o governo federal não consegue construir as ferrovias que vem prometendo e adiando há anos (e que não são para passageiros)? Supõe-se que os governos tenham muito mais recursos do que a ABPF. Ah, é verdade - governos não têm competência.

Enfim, parabéns mais uma vez aos homens da ABPF.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A ESTAÇÃO SEM ROSTO

Fachada da estação de Barão de Rezende, inaugurada em 1911 em Piracicaba, em linha da Sorocabana.

Há dias em que a publicação de meu site www.estacoesferroviarias.com.br me dá alegrias.

Hoje recebi o e-mail abaixo, enviado pelo arquiteto Marcelo Cachioni, o qual não conheço pessoalmente, enviando-me anexas as duas fotografias da estação de Barão de Rezende, em Piracicaba, SP, fotos estas que estou procurando há dezenove anos sem encontrar, já que a estação foi demolida nos anos 1970 e até o seu local original é difícil de encontrar, já que ela estava onde hoje é zona urbana bastante povoada.

Agradeço muitíssimo ao Marcelo, e as duas fotos já estão no meu site, na página dessa estação: http://www.estacoesferroviarias.com.br/b/brrezende.htm. Uma delas está no topo desta página. A estação, nas duas fotos recebidas, já estava quase com certeza, fechada. Note que a plataforma está completamente vazia, portas e janelas fechadas e marcas de início de abandono.

Conforme eu já desconfiava, ela seguia o mesmo (belo) estilo de algumas estações da Sorocabana, todas construídas entre 1911 e 1913: Indaiatuba, Luiz Pinto, Bom Jardim, Piapara, Angatuba, Vitoriana, Itararé... talvez tenha me esquecido de alguma.

Prezado sr. Ralph,

Boa tarde,

Sou diretor do Departamento de Patrimônio Histórico de Piracicaba, e neste departamento, desenvolvemos pesquisas diversas sobre o tema, com especial interesse nas estações ferroviárias. 
Percebi que no site das Estações Ferroviárias não existem fotos da antiga Estação Barão de Rezende. O arquivo da Câmara Municipal tem duas fotos, que lhe envio. Era um prédio praticamente igual à estação de Indaiatuba, onde funciona o Museu Ferroviário, e de outras estações do ramal, com pequenas variações.
As fotos estão em anexo, basta dar o crédito à CMP. 
Aproveito para parabeniza-lo pelo seu digno e valioso trabalho.
Estamos à disposição.

Att,

arq. Marcelo Cachioni
DPH Ipplap

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

ARARAQUARA E A SUA NOÇÃO DE PROGRESSO

Um dos primeiros troleibus na cidade de Araraquara (Folha de S. Paulo)Conheço a cidade de Araraquara, no Estado de São Paulo. A cidade tem quase duzentos anos de idade e é bastante agradável. Ela não nasceu com a ferrovia, como muitas no Brasil, mas com certeza, com a sua chegada em 1885, cresceu bastante. Possivelmente não cresceria tanto assim sem ela.

Em 1898, mais uma ferrovia, desta vez com sede na própria cidade, começou a operar na cidade, a Estrada de Ferro Araraquara. Araraquara passou a ser um entroncamento de duas ferrovias, condição muito boa para um crescimento mais rápido que suas vizinhas.

Veio o século XX e, como praticamente todas as cidades do mundo, Araraquara foi invadida por automóveis, caminhões e ônibus. A ferrovia continuava ali, firme.

Em 1959, a cidade ganhou linhas de ônibus elétricos, também chamados de troleibuses. (O plural eu assumo a responsabilidade - afinal, a palavra "tróleibus" tem plural?)

Em 1962, Araraquara era uma das poucas cidades do Estado a tê-los. Uma visão moderna do futuro, com energia limpa, sem poluição. Somente São Paulo, Santos e Ribeirão Preto os tinham (será que me esqueci de alguma da época?). Rio Claro veio depois, mas somente rodaram sete anos, entre 1986 e 1993 (mais dinheiro jogado fora).

Em 1980, a frota, que já tinha trinta e oito veículos, foi ampliada com ônibus elétricos mais modernos. Foi um investimento de R$ 40 milhões de cruzeiros, equivalentes a cerca de U$ 700 mil dólares na época.

Pois bem: em 1992, tudo foi erradicado. Acabaram-se os ônibus na cidade. Muitos moradores da cidade não entenderam o por quê.

Considerando-se que uma variante para a ferrovia que passa por Araraquara foi terminada neste ano, liberando-se os trilhos para a colocação de um Veículo Leve sobre Trilhos e que isto não irá ocorrer (é quase certo que os trilhos velhos sejam arrancados para a construção de uma poluente avenida) e ainda que, em 1983, a Prefeitura queria utilizar a velha linha para um "metrô de superfície", nome muito usado na época para os atuais VLTs e que isso não saiu também, podemos concluir que a cidade está andando para trás desde 1983.

Fora o fato de que não somente os 700 mil dólares de 1980 - houve também outros investimentos nas linhas de tróleibus desde sua implantação em 1959 - foram jogados no lixo, Araraquara pode ser considerada um exemplo de que não se administra uma cidade.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

CONCORRÊNCIAS DA FEPASA - 1974

Velhas locomotivas a vapor em Cordeiropolis, 1970 (acervo A. C. Belviso).

Pelo menos nos anos 1970, quando a FEPASA foi constituída em São Paulo (novembro de 1971), não eram incomuns as concorrências para a venda de "materiais inservíveis" da ferrovia. Este material eram locomotivas a vapor, vagões, carros, terrenos e outros materiais, geralmente sucateados.

As concorrências eram públicas e anunciadas em jornais.

Como este, por exemplo, em que a FEPASA oferece sete locomotivas a vapor, que podiam ser vistas em diversos pátios da ferrovia: até 20 de março de 1974, os interessados podiam obter o edital na sede da companhia, que era na estação de Julio Prestes. As locomotivas, "inservíveis e no estado em que se acham", podiam ser vistas nos pátios de Canaã (em São Simão), Fradinhos (parada da ex-E. F. São Paulo a Minas (em Altinópolis), Usina Junqueira (na estação de Coronel Quito, em Igarapava, divisa com Minas Gerais) e Ribeirão Preto.

Quais locomotivas elas eram e se foram todas vendidas mesmo, é uma incógnita para mim.

Nas semanas anteriores, abriram-se concorrências para a venda de parte do leito da linha férrea do antigo ramal de Tabatinga, da ex-Araraquarense; de um terreno próximo à estação de Ibitiúva (em Pitangueiras); e de um horto florestal inteiro junto à estação de Pequi (em Uberlândia, MG), da ex-Mogiana.

É interessante que essas vendas aconteciam, em média, dez anos depois da desativação desses bens. Interessante, também, saber que hoje, quarenta anos depois, ainda haja tantos terrenos, edifícios e até material rodante que ainda estejam em mãos da RFFSA, sucessora da FEPASA ea partir de 1998. Ou os editais foram minguando ou muita coisa não se tenha conseguido vender. O fato é que a FEPASA pouco a pouco foi se tornando uma bagunça administrativa e este tenha sido um dos motivos pelos quais tanta coisa continuou em suas mãos por tanto tempo. Tivesse ela vendido todo o seu patrimônio inservível durante os anos em que ainda existiu (até 1998), teria possivelmente reduzido tm muito os seus imensos e constantes prejuízos, causados por uma péssima adnibistração e influência grande demais de políticos à sua volta.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A COMPANHIA PAULISTA: O QUE FOI E O QUE PODERIA TER SIDO

Estação de Rincão - Foto Coryntho Silva Filho em 1987

A Companhia Paulista de Estradas de Ferro sempre é considerada pelos amantes das ferrovias e principalmente pelos mais velhos - aqueles que viram a Paulista funcionando - como a mais eficiente estrada de ferro do Brasil. É verdade que ela não teria sido a mais lucrativa, título que teria sido da São Paulo Railway, dos ingleses, que tiveram, por setenta anos o monopólio do acesso das cargas e passageiros ao porto de Santos, o maior porto do Brasil.

Há talvez muitas lendas na história da Paulista. Gente que diz que isso ocorria mesmo na linha-tronco, Jundiaí-Colômbia, com 506 quilômetros de linha em bitola larga. Isso sem contar os sessenta quilômetros da Luz a Jundiaí, onde ela tinha o tráfego mútuo com a SPR e com isso podia recolher os passageiros para o interior em São Paulo, que continuou com a E. F. Santos a Jundiaí e depois com a Fepasa e a RFFSA que sucederam as duas ferrovias citadas.

A história da Paulista se divide em algumas fases.

A primeira, entre 1868 e 1892, quando suas linhas eram quase todas em bitola larga (1,60 m), nenhuma bitola métrica e resumiam-se à linha-tronco Jundiaí a Descalvado e a dois ramais: o de Rio Claro e o de Santa Veridiana, este ainda não terminado na época. Fora estas linhas, a Paulista havia acabado de adquirir dois (bem) curtos ramais de bitola estreita (60 cm) que ligavam Porto Ferreira a Santa Rita do Passa-Quatro e Descalvado a Aurora. Enfim, 280 quilômetros de linha. E, finalmente, além disso, havia a navegação fluvial do rio Mogi-Guaçu, que partia de Porto Ferreira e chegava a Pontal.

Tudo isso ocorreu porque a empresa apostou em projetos que não foram aprovados pelo Governo para receber concessões de novas linhas. Quem recebeu o caminho do café para o norte da Província foi a Mogiana. Porém, em 1892 começa a segunda fase, com a Paulista comprando a Rio Claro Railqway, que tinha uma rede bastante grande, chegando a Araraquara, Jaú e com diversos projetos que avançavam.

Esta segunda fase da Paulista terminará em 1916, quando a ferrovia finalmente entrega a sua linha principal adquirida dos ingleses da Rio Claro retificada e com bitola larga. Com a terceira fase, que durará até 1941, a Paulista teve o seu ápice de fama. A linha-tronco passou a ser o trecho de Jundiaí a São Carlos (1961), depois até Rincão (1928) e finalmente até Colômbia (1930).

A quarta fase começa com a inauguração da eletrificação e aumento de bitola do seu tronco oeste (que seria terminado em 1962 unindo Itirapina a Panorama todo em bitola larga e um terço eletrificado) e termina com a desapropriação da empresa pelo governo do Estado, em meados de 1961.

A quinta e última fase termina em 1971, quando ela é incorporada à FEPASA, recém-criada. é uma fase de decadência. Em 2015, ou seja, hoje, da antiga Paulista, somente sobram, operacionais, o trecho Jundiaí-Pradópolis do tronco principal e, do tronco oeste, Itirapina-Bauru. O resto são linhas abandonadas o já extirpadas há muito tempo. O trecho Araraquara-Campinas, no entanto, é bastante movimentado em termos de cargas; não há nenhum trem de passageiros que corra qualquer trecho da velha ferrovia e isto desde 2001.

Escrevi tudo isto bastante resumidamente para tentar compreender o que devem ter sido os planos da empresa desde sua fundação até 1961. Analisando todos as linhas que a Paulista possuía ou possuiu até este ano, quais elas realmente quis ter? A pergunta é feita porque a empresa somente teria construído por vontade própria a linha Jundiaí a Descalvado (1872-1881), os ramais de Santa Veridiana (1886-1893) e o de Rio Claro (1876). O resto teria vindo como consequência da compra da Rio Claro. Esta aquisição era fundamental para a sobrevivência da Paulista numa época em que as ferrovias lidavam com zonas privilegiadas.

Quando esta compra foi feita, vieram juntos muitos proketos, alguns em andamento e outros não. Os ramais de Água Vermelha, de Ribeirão Bonito e de Agudos eram projetos da Rio Claro, bem como o ramal de Jaboticabal e a continuação até Rincão e depois para Pontal, linha que eliminou em 1903 a navegação fluvial da Paulista, um quebra-galho não muito lucrativo mas que ajudou a Paulista a sobreviver até os anos 1890.

O que teria sido o conjunto de linhas férreas da Paulista se em 1880 a Mogiana não tivesse conseguido a concessão para chegar a Casa Branca e a Ribeirão Preto e Franca e a Rio Claro, quase ao mesmo tempo, não tivesse conseguido a concessão para seguir além de Rio Claro com uma bitola métrica, com uma linha muito pior do que o trajeto que a Paulista havia sugerido para chegar a São Carlos, Araraquara e Jaú?

Qual teria sido o trajeto da Paulista para o norte e o noroeste do Estado, além Araraquara? Na verdade, relatórios pré-1880 da empresa mostram a intenção de que suas linhas chegassem até o rio Paraná, mas próximo à junção dos rios Paranaíba e Grande, em Santana do Paranaíba, Mato Grosso - não confundir com a Santana de Parnaíba, aqui na Grande São Paulo.

Nunca saberemos a resposta, mas as linhas que a Paulista construiu durante sua ascensão foram em cima de outras empresas que estavam em seu caminho, como a São Paulo-Goiaz, fundamental para que a empresa construísse sua linha-tronco de bitola larga em 1930 até Colômbia. Vários dos ramais que a Paulista tinha partindo de sua linha-tronco ou de Ribeirão Bonito foram adquiridas por necessidade, depois da ferrovia ter financiado parte da construção e manutenção de linhas deficitárias, porém tributárias importantes, como a E. F. do Dourado (a maior delas, adquirida em 1949), a parte restante da São Paulo-Goiaz (1950), a E. F. Morro Agudo (1953), a E. F. Barra Bonita (1953)  e a E. F. Jaboticabal (1952).

O tronco oeste até Panorama certamente não fazia parte de suas ideias em 1870. A região era vazia para além de Jaú e de Dois Córregos e os planos eram para seguir para o Mato Grosso provavelmente com uma linha que faria com que possivelmente a E. F. de Araraquara jamais tivesse sido construída por outra empresa.

Pode-se verificar que somente o ramal de Piracicaba (1915-1922), em bitola larga, foi construído por iniciativa da Paulista e mesmo assim por insistência e financiamento pela Prefeitura de Piracicaba.

Enfim, há inúmeros fatores não considerados aqui neste exercício de história e de futurologia, mas a Companhia Paulista de Estradas de Ferro poderia e deveria ter sido muito diferente se tivesse sido mais flexível em 1880 nas suas disputas com a Mogiana e a Rio Claro. É certo que a compra das diversas pequenas ferrovias citadas acima entre 1949 e 1953 ajudou a Paulista a ter dificuldades de caixa em 1961, quando esta foi uma dos motivos alegados para sua estatização forçada urante uma greve selvagem. Tudo indica que a falência pura e simples dessas pequenas estradas de ferro sem a devolução do que foi investido nelas deveria ter sido um golpe muito mais duro para a Paulista.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

ASCENSÃO E QUEDA DA PONTE FERROVIÁRIA FRANCISCO SÁ

Do jornal O Estado de S. Paulo, 1957

A ponte Francisco Sá foi construída pela E. F. Noroeste do Brasil em 1925. Substituía uma pequena balsa que transportava o comboio em partes pelo rio, causando uma demora sensível no transporte de passageiros e cargas para transpor o rio Paraná.

Havia mais carga para transportar do Mato Grosso (na época, um estado somente) para Bauru do que no sentido contrário. Nessa época, além de passageiros, a carga principal era gado. Em boa parte, a Noroeste puxava vagões vazios para coletar o gado nas estações e trazê-lo para Bauru. Mesmo assim, a Noroeste e seu tráfego cresceram após a construção da ponte: nos anos 1950, ficou pronto o ramal de Ponta Porã, que saía de Campo Grande, e a linha-tronco finalmente alcançou Corumbá, depois da construção da ponte Marechal Eurico Gaspar Dutra, sobre o rio Paraguai. Ainda assim, o crescimento foi moroso, em uma zona de baixa densidade demográfica (ainda hoje é assim) e vastas fazendas de gado.
Ponte Francisco Sá - Foto Cristiano Luisão

Além disso, chegaram os caminhões, concorrentes sérios da ferrovia, embora trafegassem nas péssimas estradas da época. No início, era um colaborador, que trazia cargas para as estações; depois, passou a ser realmente concorrente, pois se aventuraram a seguir diretamente para as cidades de desova do gado e outras cargas.

Em outubro de 1956, a própria Noroeste instalou ali uma gôndola motorizada sobre os trilhos da ponte, para transportar caminhões de um lado para outro do Paraná. Decisão difícil: ao mesmo tempo que dificultava sua vida, ela calculava que isto aceleraria o desenvolvimento do Mato Grosso.

Bem antes disso, a Noroeste já havia assoalhado  o leito da ponte para facilitar a passagem do gado de um lado para o outro do rio. Porém, os resíduos deixados pelos animais sobre a ponte começaram a comprometer a estrutura da mesma. Em 1930, os militares, durante a revolução, resolveram arrancar o piso, para evitar a passagem de tropas, a pé ou motorizadas.

A ferrovia disso se aproveitou e não permitiu o reassoalhamento. O que aconteceu em consequência disso? todo o trânsito de veículos e de boiada transportou-se para o sul, em Porto Tibiriçá, a 350 quilômetros rio abaixo e a apenas dois quilômetros da estação terminal da Sorocabana, Presidente Epitácio. Ali, a Companhia de Navegação do Prata já fazia um serviço de transporte de gado por barcaças que ligavam Porto Tibiriçá aos portos 15 e 16, do lato mato-grossense.

Ou seja, com as péssimas estradas também do lado paulista naquela época, a Noroeste passou a vilã - simplesmente porque estava protegendo seus interesses. Somente em 1956 isto foi alterado, com a instalação das tais gôndolas. É evidente que nesse tempo já se pensava na construção de uma ponte rodoviária por ali. As pontes acabaram sendo construídas sobre a barragem de Ilha Solteira (pouco acima da ponte da Noroeste) e mais ao norte, na atual cidade de Ilha Solteira.

Enquanto isto, a ferrovia cobrava pelo uso das gôndolas. 400 cruzeiros para automóveis, 700 para caminhões vazios e 1000 reais para caminhões cheios. Pelo visto, essa foi uma boa fonte de renda para a Noroeste durante anos.

Problemas a parte, a Francisco Sá foi a primeira ponte a ser construída sobre o rio. Pontes rodoviárias somente vieram muito depois e a segunda ponte ferroviária (rodo-ferroviária, na verdade) somente foi construída nos anos 1990, para ligar a Ferronorte à antiga Estrada de Ferro Araraquara. Hoje esta tem bom movimento de trens e de automóveis, enquanto a Francisco Sá, metálica, está meio que às moscas, esperando sempre pela viagem do trem de celulose que vem de Três Lagoas, o único que sobrou, depois dos desmontes da Novoeste (com v mesmo), ALL e, finalmente, da Rumo.

domingo, 6 de setembro de 2015

DE TREM DE SÃO PAULO A BARRETOS (1976)

Pátio da estação de Barretos em 1990.

Cartas são sempre interessantes. Reportam a realidade de uma época sobre um ou mais assuntos específicos. Claro que muitas comentam sobre fatos isolados, mas quando o tema é os serviços das ferrovias no ano de 1976, se uma carta não pode ser generalizada, pode, pelo menos, provar que esses serviços não eram mais o que haviam sido até os anos 1940.

Aqui, um leitor do jornal O Estado de S. Paulo critica a viagem por ele feita em um trem da FEPASA na região em que antes a Companhia Paulista de Estradas de Ferro atuava: sua linha-tronco São Paulo a Barretos.

O trem noturno havia saído da Estação da Luz e deveria chegar a Barretos às 7 horas e 20 minutos na manhã do dia seguinte. Por causa de um acidente em Barrinha (estação na região de Ribeirão Preto), chegou somente 'as 14 horas e 25 minutos ao seu ponto final.

O leitor descreve o acidente como tendo sido um descarrilamento devido a dormentes podres. Ele até aceita o acidente. Porém, o problema maior foi o que se seguiu a ele. A composição não tinha um carro-restaurante, nem buffet, nem qualquer alimento ou mesmo refrigerantes. Nenhum funcionário da FEPASA se manifestou, fosse "o presidente, chefe do tráfego, guarda do trem, chefe da estação, sei lá quem", para atenuar o mal-estar de pessoas idosas, senhoras, crianças que sofriam com a longa permanência nos carros, com o calor que fazia nessa época do ano (a carta era de 28 de novembro de 1976).

Somente se encontrou comida e bebida depois de resolvido o problema do descarrilamento e o trem pôde chegar até a estação de Bebedouro - esta, não tão próxima assim a Barrinha. "Os passageiros puderam ir ao bar da estação, muito mal instalado, onde um refrigerante era cobrado à razão de Cr$ 5,00. Um roubo! Um assalto! E a SUNAB não viu!" Bem, pelo que eu me lembro da SUNAB, era um órgão que nunca via nem fiscalizava nada, embora o motivo de sua existência tivessem sido exatamente esses. Quanto ao preço do refrigerante, equivalia a mais de dez vezes o preço de uma passagem de trem de subúrbios em São Paulo.

Prolongando o caso, a composição chegou a Barretos e voltou, partindo de Barretos às 23 horas e 20 minutos. Tudo correu bem até a estação de Americana, quando os passageiros foram avisados para descer do trem: houve um acidente na linha.  "Vocês se virem para chegar a São Paulo". Não devolveram as passagens, nem custearam hotéis em Americana, nem pagaram o transporte para o destino de cada um. O táxi para Campinas ficava em R$ 150,00 e o ônibus para São Paulo, R$ 15,00.

O comentário final do escritor da carta foi: "Alguma coisa precisa ser feita para salvar o que ainda resta das ferrovias do Estado de São Paulo. Se isso não puder ser feito, se estas prioridades tiverem que ser mantidas, liquide-se, então, de vez com as estradas de ferro e não se pense mais nisso!"

Foi exatamente o que a FEPASA acabou fazendo, deve ter gostado da ideia. Vinte e cinco anos depois, com serviços decaindo cada vez mais, os trens de passageiros acabaram. Na verdade, em 1976, a FEPASA declarava alto e em bom som, em jornais e rádios, que transporte de passageiros era coisa do passado, dava prejuízo e seria cortado. A pressão política das cidades, no entanto, mantiveram as linhas principais (troncos ex-CP, troncos Mogiana, Sorocabana e E. F. Araraquara) funcionando por mais tempo do que a FEPASA gostaria. Uma pena.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

PORTO CEMITÉRIO? NÃO, COLÔMBIA, SP

Entrada da estação ferroviária de Colômbia, abandonada há pelo menos dezesseis anos.
O nome do lugar, município desde 1959, é Colômbia. Ficava chato para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro chamar de Porto Cemitério a estação final de sua linha-tronco, em 1929. O nome da estação foi dado quase que certamente pela ferrovia, mas parece que ninguém sabe por que.

A intenção era continuar com a linha em território mineiro, para a cidade de Frutal, do outro lado do rio Grande. A ponte já existe há anos, mas a autorização pedida para o governo federal para construir a linha estava demorando tanto que a Paulista finalmente desistiu.
A cidade de Colômbia nos dias de hoje. O pátio da estação fica à esquerda. (Foto Luis Carlos Abreu/Panoramio)

A cidade nunca cresceu de forma significante. Em 2010, último recenseamento, tinha pouco mais de seis mil habitantes. Sem atrativo praticamente algum, a não ser a pesca no rio, o único prédio realmente bonito está abandonado na ponta da linha da ferrovia, aonde o trem já não chega há mais de dez anos. Ali a estação de passageiros funcionou até 1978, quando parou ali o último trem de passageiros, que fazia tres vezes por semana um bate e volta em Barretos. O telhado da estação já caiu. As linhas estão cheias de mato.

Meu amigo Glaucio Henrique Chaves esteve ali recentemente e fotografou a fachada da estação. Eu já havia feito isto, mas em 1999. Já se passaram quase dezesseis anos que eu não vou a Colômbia.