quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

JESUS CRISTO SABE!

Os ACFs em Campinas - foto Alberto del Bianco.

Bom, nós, ferreofãs, somos as viúvas das ferrovias brasileiras, especialmente dos velhos trens de passageiros. Eles sobrevivem até hoje na Vitória-Minas, na Carajás e na E. F. do Amapá, mas isso é ínfimo diante do que já existiu neste país - e que nunca foi tanto assim, comparado com outros países com a dimensão continental do nosso. E podemos, com alguma força de vontade, adicionar a Curitiba-Paranaguá e a E. F. Campos do Jordão.

Mas as grandes ferrovias do passado não voltarão. Podem até voltar por algum milagre pouco provável, mas isso aconteceria com trens novos e linhas novas - é claro, não podemos pensar em não recuperar tudo isso com novas tecnologias e trens mais rápidos.

Enquanto isso não acontece, vamos pensar na que era a melhor - a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Enquanto foi particular (1869-61), era muito boa, principalmente em suas linhas-tronco: São Paulo-Colombia e Itirapina-Panorama, Entre 1961 e 1971, quando foi encampada (à revelia) pelo governo paulista, começou a decadência. Além das linhas-tronco, sobreviveram apenas trÊs ramais, os três de bitola igual ao tronco. Os da métrica desapareceram. (Nota: a linha da CPEF começava mesmo em Jundiaí. O trem era tomado em São Paulo por um acordo de tráfego nas linhas da Santos-Jundiaí, com mesma bitola e ligado diretamente ao tronco da empresa na estação de Jundiaí.)

Finalmente, de 1971, já parte da FEPASA, os três ramais desapareceram para os passageiros (1976-77), assim como o trecho Barretos-Colômbia (1978). Esse resto foi até 2000-2001 com a FEPASA (até 1998) e depois, por uma obrigação contratual com a FERROBAN (1999-2001).

Como a Paulista, apesar dos bons serviços, usava até seu fim em 1971 material que já não era dos mais modernos, o que ficou na lembrança dos seus usuários foi o que existiu até 2001, mudando apenas eventualmente as pinturas. E os serviços, cada vez piores, bem como limpezas, desrespeito a horários, etc..

Este é o histórico, muito resumido. Costumamos dizer: os trens de passageiros da Paulista voltarão um dia? Uma das respostas para a pergunta ´"Jesus Cristo sabe". Sabe mesmo? Fomos perguntar.

Fomos a Jundiaí. Ali, junto aos trilhos cheios de mato, hoje pouco usados pelos poucos cargueiros que seguem além até Campinas, Boa Vista, etc., encontramos um sujeito barbudo, de ssandálias e vestindo uma túnica estranha. A ele perguntamos: "o senhor acha que os trens para Barretos e para Panorama voltarão?

O senhor, muito simpático e formal, respondeu: "eles já estão aí! Vocês não estão vendo-os?" Viramo-nos e eles realmente estavam ali. Iguais aos ACFs de primeira, segunda, restaurante, bagageiro... e uma V-8 verde (não a azul) com o símbolo clássico da CP. Curioso que não tenhamos reparrado neles ali antes.

Ele nos disse: "pode não parecer, mas eu sou o dono da empresa JC Inc., que é a atual proprietária das linhas da antiga Paulista. Eu estava, por acaso, em uma visita de rotina. Vocês querem ir para onde?" Confesso que ficamos um pouco desconfiados, mas a surpresa foi tanta que dissemos que sim, queríamos ir para Panorama.

"Podem entrar, respondeu o senhor de rosto iluminado e sempre sorridente. O trem já estava para sair". E lá fomos no carro Pullmann. Enquanto seguíamos, maravilhados e incrédulos, conversávamos com o senhor, que resolveu nos acompanhar. Ele nos explicava que não nos preocupássemos com o preço, pois aquela viagem seria por conta da casa. Que os preços normais eram muito baratos, pois o custo da manutenção para ele era muito baixo. Quase zero.

Realmente, o leito parecia impecável, o mato ao longo da linha não existia, as estações onde o trem parava estavam impecavelmente mantidas. Puxa, o site do Ralph estava totalmente desatualizado. Por que seria? O que aconteceu? Como era eficiente o dono da JC Inc.!

Ele explicava que para algumas pessoas as viagens eram sempre gratuitas, como para os descendentes dos reis Merovíngios da França antiga. O clero também não pagava. Já políticos brasileiros pagavam caro e tinham de pagar do próprio bolso, senão não viajavam. Estrangeiros pagavam as passagens pelo seu valor normal, mas somente se fossem católicos. Perguntamos por que. Ele respondeu que era apenas uma questão de ideologia de sua empresa.

O mais curioso: as pessoas de fora do trem pareciam não nos ver, nem ao comboio. O "Sr. JC", como o apelidamos, entrou pelo ramal de Descalvado para nos brindar com uma ida e volta a um ramal tão antigo. E aí nos lembramos que ele não tinha trilhos já havia anos. Muitas estações haviam sido demolidas. Mas elas estavam ali, com seus agentes, telegrafistas... todos trabalhando.

Depois de três dias de viagem, pois acabamos entrando também para Barretos, nós lembramos de perguntar-lhe o nome. Ele respondeu: "Jesus de Nazaré". E ofereceu-nos vinho em um ca´lice muito bonito. "Todos procuram por ele", o Sr. Jesus nos disse.

Em Jundiaí, ele se despediu de nós gentilmente. Depois de andarmos até o carro, viramos para trás e não vimos ninguém. Chegamos 'a conclusão de que Jesus sabia.

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