quarta-feira, 10 de setembro de 2014

E. F. MATE-LARANGEIRA EM 1966... 1966?


A ideia de escrever um breve resumo sobre a E. F. Mate-Larangeira veio do fato de ter encontrado na edição do jornal Folha de S. Paulo de 3 de abril de 1966 um mapa, numa reportagem sobre problemas de divisa international entre o Brasil (no Estado do Paraná) e o Paraguai na época. Isto porque o pequeno mapa, em escala pequeníssima e reproduzido acima, mostrava um pequeno trecho da ferrovia na cidade de Guaíra, junto às antigas Sete Quedas, hoje inexistentes em virtude da barragem de Itaipu.

Porém, todas as informações que consegui sobre o fechamento da ferrovia levam para algo ao redor do ano de 1960. Será que em 1966 os trilhos ainda estavam ali na cidade, como mostra esse mapa? O mapa estaria desatualizado? Provavelmente. De qualquer forma, Guaíra cresceu muito depois disso e pouca coisa hoje lembra a ferrovia na cidade. E eu jamais vi outro mapa da ferrovia passando pela cidade, como este.

Na verdade, este trecho abaixo data de 2004, escrito por mim e arquivado na memória (vaga lembrança?) de meu computador.

A origem da ferrovia Mate-Larangeira (com “g” mesmo, por ser grafia antiga e familiar) vem da segunda metade do século XIX, quando Thomas Laranjeira recebeu uma concessão do Império para explorar e transportar erva-mate no Estado do Mato Grosso, na região de Porto Murtinho, próximo a Corumbá. Praticamente a totalidade da erva-mate era exportada para a Argentina e o Paraguai pelos rios Paraguai e Paraná. Depois de construir uma ferrovia nessa região para ajudar no transporte, ele construiu outra na margem brasileira do rio Paraná no trecho onde o rio não era navegável – a cachoeira de Sete Quedas, em Guaíra, no Estado do Paraná.

A notícia saiu desta forma na revista Brazil Ferrocarril de 16/7/1917: “Foi inaugurada no Alto Paraná a E F ‘Decauville’, ligando o alto ao baixo rio Paraná, numa extensão de 61 km. Esta estrada, construída pela Empresa Larangeira, Mendes & Co., em conseqüência de contrato firmado com o Estado do Paraná, parte de Porto Mendes e termina no Porto Mojoli, desviando assim as cataratas de Guairá, ou Sete Quedas, e unindo as extensões navegáveis do rio Paraná desde o Estado de São Paulo até Buenos Aires.” A notícia chama a ferrovia de Decauville como se fosse o seu nome oficial. O local de término, Porto Mojoli, devia ser Guaira: não encontrei esse nome em outras referências.

O trecho, de cerca de 60 quilômetros, foi aberto em 1917, para uso apenas interno de cargas e funcionários da empresa. Unia a cidade de Guaíra à localidade de Porto Mendes. Pelo que se afirma na própria reportagem, as primeiras locomotivas eram do tipo Decauville e somente mais tarde máquinas maiores foram encomendadas. A linha tinha a bitola de 60 centímetros, medida esta que permaneceu até o final das operações da linha. O local era completamente isolado do resto do Estado, numa época em que a atual Foz do Iguaçu não passava de uma pequena colônia militar de fronteira. Entretanto, desde o início do século XX, já havia concessões dadas à E. F. São Paulo-Rio Grande para a construção de ramais ferroviários que atingiriam a histórica cidade de Guaíra, partindo de Irati, Guarapuava e mesmo Foz do Iguaçu. Com as dificuldades da mata inexplorada e a falência da Brazil Railways, que administrava a EFSPRG, esses projetos foram esquecidos, e somente se voltou a falar deles quando se iniciou a construção, em 1923, da E. F. Noroeste do Paraná, antecessora da E. F. São Paulo-Paraná. Esta ferrovia partia de Ourinhos e tinha como destino inicial a margem direita do rio Tibagi, na colônia militar do Jataí, dali seguindo para atingir o rio Paraná.

A colonização do chamado “Norte Novo” do Paraná a partir de 1929 pela Companhia de Terras do Norte do Paraná e o povoamento da região de Foz do Iguaçu a partir dos anos 1920 fez com que a E. F. Mate-Larangeira fosse ficando mais perto da civilização. A navegação comercial do rio Paraná a partir de Porto Tibiriçá, na extremidade da linha-tronco da Sorocabana, em Presidente Epitácio, até o rio da Prata, aumentaram ainda mais as pressões sobre a Mate-Larangeira para abrir a ferrovia para transporte público. Ela resistiu o que pôde, mas a revolução de 1930 e a instalação de Vargas no poder não deram escolha à empresa. Mesmo assim, a partir do final dos anos 1930 e até a extinção do tráfego da ferrovia, agências de turismo anunciavam com pacotes turísticos ligando São Paulo a Foz do Iguaçu por ferrovia e navegação fluvial: algo que demorava no mínimo um mês e se utilizava, além dos trilhos da linha principal da Sorocabana até o rio Paraná, do próprio rio e da Mate-Laranjeira, justamente no trecho não-navegável. Tinha, entretanto, um custo proibitivo para a maioria dos brasileiros.

Durante o período Vargas, a empresa entrou em dificuldades devido à proibição da importação de mate pela Argentina e foi encampada em 1944 pela estatal Serviço de Navegação da Bacia do Prata. Em 1956, a pequena estrada tinha seis estações ou paradas: Guairá, Bandeira, Oliveira Castro, Arroio Guaçu, Três Irmãs-São Luiz e Porto Mendes. A ferrovia, que chegou a ter oito locomotivas a vapor, teve encerradas suas atividades em 1959, segundo algumas fontes, e em 1961, segundo outras. Curiosamente, em 1963, apenas dois anos depois de sua extinção, ainda se tentou o seu reerguimento, com a RVPSC tentando um financiamento para reativação da ferrovia – e possível prolongamento até a linha da antiga E. F. São Paulo-Paraná, que agora estava em Maringá. Em 1973, quando essa linha, já então operada pela Rede Ferroviária Federal, estava chegando com seus trilhos em Cianorte, ainda se falava da união com a cidade de Guaíra.

De qualquer forma, o material da ferrovia foi vendido em leilão em 1963 para uma fundição de Curitiba. Sobrou apenas uma locomotiva hoje exposta numa praça em Guaíra.

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