sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A HISTÓRIA SECRETA DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS - PARTE I

Monte Azul Paulista (direita) e Severínia (esquerda). Marcondesia ficava entre elas, mas bem mais perto de Monte Azul e também próxima à SP-265, estrada de rodagem que as une hoje - Google Maps, 2014)
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Durante o Império e a República Velha, a elevação de povoados a distritos de paz a vilas (municípios de menor importância política) ou cidades (municípios de maior importância política) eram feitos por critérios nem sempre muito claros.

O que predominava então era a influência política dos dirigentes quase feudais que existiam nas aglomerações. Não que isto não exista nos dias de hoje - mas existem algumas regras e normas que devem ser seguidas para a implantação de distritos ou municípios (hoje não há mais a diferenciação entre vilas e cidades), embora nem sempre sejam seguidas à risca.

Houve, porém, um tempo em que começaram a se implantar normas. Isto aconteceu com a subida de Getúlio Vargas ao poder, no final de 1930. Uma de suas inúmeras modificações no sistema da República Velha começaram com estudos sobre uma redivisão do Brasil. Em termos dos Estados existentes (além do então único território federal, o Acre), isto provou ser extremamente difícil.

Criaram-se inúmeras sugestões sobre a redivisão brasileira, sugerida tanto por amadores quanto por gente mais esclarecida e capacitada para este estudo. Meu avô se "jogou de cabeça" nesse estudo, graças ao imenso conhecimento de geografia que ele possuía, principalmente da paulista. Ele chegou a escrever um livro sobre isto, em 1932, com o nome "Brasil Desunido". Porém, as rivalidades estaduais, que basicamente remontavam a quatrocentos anos anos com a criação das Capitanias Hereditárias, empurraram as modificações - que se resumiram à criação de territórios em regiões pouco povoadas e desmembradas quase sempre de Estados grandes - para quase treze anos mais tarde, em 1943. Mesmo assim, dos seis territórios criados (Amapá, Rio Branco, hoje Roraima, Guaporé, hoje Rondônia, Fernando de Noronha, Iguassu e Ponta Porã), os dois últimos duraram apenas três anos, revertendo suas áreas aos Estados originários, enquanto Fernando de Noronha foi reintegrada a Pernambuco em 1988.

O que deu mais certo acabou sendo a criação de novos municípios, ou a redivisão ou ainda a supressão de alguns (em 1935, por exemplo, Santo Amaro e Araçariguama foram incorporados a municípios vizinhos, respectivamente São Paulo e São Roque, além de alguns outros). Essas mudanças foram implantadas por uma comissão que tinha como líderes meu avô Sud e seu amigo Djalma Forjaz, no Estado de São Paulo, que começou a trabalhar em 1931 e apresentou suas conclusões em 1934, de forma que, nesse ano e em 1935, uma série de mudanças no nosso Estado.

As comissões não se baseavam em pressões políticas nessa época. Meu avô, por exemplo, recebia a visita de inúmeros prefeitos do interior que discordavam das conclusões tiradas por Sud e que eventualmente criavam prejuízos para alguns municípios; segundo uma testemunha ainda viva, minha mãe, filha de Sud, este rebatia os pedidos, mostrando com mapas e um imenso conhecimento de geografia e de história os pedidos dos políticos. Porém, sei de alguns casos que apesar dos pareceres emitidos pela comissão, as modificações não saíram. Por que isto teria havido? Provavelmente por que havia ainda políticos com uma força que conseguiam virar a cabeça não da comissão, mas do interventor do Estado.

Existiram comissões em outros Estados também. Realmente, não sei se em todos. As comissões deveriam se reunir e apresentar resultados de cinco em cinco anos. Portanto, os municípios, pelo menos os paulistas, eram criados em 1938, 1943, 1948, 1953, 1958 e 1963. A partir daí, com a revolução de 1964, praticamente nenhum município foi criado em São Paulo até a promulgação da (desastrosa) Constituição de 1988, atualmente em vigor. Atualmente, inclusive, as modificações são criadas depois de um referendo entre a população do município e baseadas em termos bem diferentes dos dos anos 1930.

Voltando aos pareceres, eu herdei boa parte deles - não sei qual teria sido o número total - datilografadas por meu avô para a comissão. São, na verdade, cópias em carbono de textos datilografados. Vamos ver um e analisar algumas conclusões, tiradas para os municípios de Monte Azul Paulista e de Cajobi, datado de 17 de maio de 1935. Pelo que pesquisei, parece que, neste caso, as modificações realmente aconteceram. E mais: este parecer foi criado a partir da representação de moradores do município de Monte Azul (não tinha ainda o sufixo "Paulista"), que pediam a incorporação do distrito de Marcondésia a Monte Azul, retirando-o de Cajobi. São cidades do norte do Estado e que eram atravessados pela Estrada de Ferro São Paulo-Goiaz, em 1950 comprada pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Dizia o texto do parecer, mantendo o português da época:

"Marcondesia está a menos de 10 kilometros de Monte Azul, ao qual está ligado pela estrada de ferro da Companhia São Paulo-Goyás, por meio de dois trens diarios,ao passo que dista mais de 20 kilometros, por estrada de rodagem, de Cajoby. Os habitantes de Marcondesia, para attingir a séde de seu municipio, têm de ir, por via ferrea, até a estação de Monte Verde (20 kms.) e fazer depois cerca de uma legua, sem estrada de ferro, até Cajoby".

Notar que ainda se utilizava o termo "legua", hoje praticamente desaparecido (cerca de 6 quilômetros). Monte Verde era onde ficava a estação da São Paulo-Goias, um distrito de Cajobi. Essa estação chegou a se chamar Cajobi por algum tempo, mas voltou o nome para o original, pois era muito longe da sede da cidade. Voltando ao texto:

"O simples exame desses dados revela que aos moradores de Marcondesia é uma solução incomparavelmente mais vantajosa pertencerem a Monte Azul e não a Cajoby.
Distância de Cajobi (em baixo) a Monte Verde (no topo da foto) - Google Maps, 2014
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"Aliás, as reclamações do teor desta de Marcondesia serão permanentes e inevitaveis emquanto se persistir na pratica de amarrar a séde de municipios colocados fóra de estradas de ferro districtos e povoações servidas por esse meio de transporte. Porque evidentemente não se compreende que lucro havia fazer Marcondesia, situada ás barbas de Monte Azul, com quem mantem todas as suas ligações economicas, pertencer a Cajoby, que fica muito mais longe e fóra de mão.

"A comissão é de parecer que se effective a transferencia que os habitantes de Marcondesia pleiteiam.

"Quanto á Cajoby, a melhor solução seria levar a séde do municipio para o districto de paz de Severinia (hoje Luiz Barreto) desmembrando-se este de Olympia para vir a constituir a nova entidade administrativa juntamente com Cajoby e a povoação de Monte Verde. Isso comtudo será assumpto de outro estudo, se o Governo do Estado houver por bem deteminal-o." (...)

Note-se que a atual Severínia, também detentor de uma estação de trem, chamava-se Luiz Barreto nessa época; mais tarde, readquiriu seu nome. Hoje é municipio, realmente desmembrou-se de Olimpia. O final do texto dizia:

"Propomos, assim, o seguinte projecto de decreto:
Art. 1o - O districto de paz de Marcondesia, do municipio de Cajoby e comarca de Olympia, fica pertencendo ao municipio de Monte Azul, comarca de Bebedouro.
Art. 2o - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrario.
A Comissão."

Por aqui, vê-se que, pelo menos no parecer de meu avô, as ferrovias ainda apresentavam uma importância muito grande na economia dos municipios e distritos. Vale ressaltar que hoje, quase oitenta anos depois da data deste parecer, nada mais existe: a estrada de ferro foi erradicada em 1969 e as estações de Monte Verde, Severínia, Monte Azul e Marcondesia foram todas demolidas. Somente a de Olímpia se mantém, com outros usos, claro.

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