sábado, 26 de novembro de 2011

O COMEÇO DO FIM DAS ESTRADAS DE FERRO BRASILEIRAS


Sempre que me perguntam quando começou a decadência das ferrovias no Brasil, digo que foi com a Segunda Guerra Mundial. As ferrovias já tinham dificuldades então, mas a concorrência era ruim. Com a guerra, as ferrovias tiveram excesso de cargas (devido ao medo de se usar a navegação por mar) e ao seu final estavam semi-sucateadas - tanto por terem sido utilizadas acima de sua capacidade quanto pelo fato de não terem peças de reposição suficiente, devido à guerra. Era quase tudo importado.

Para piorar a situação, o final da guerra fez com que aumentasse a importação de automóveis a preços mais baratos. Pouco mais de dez anos depois, a chegada da fabricação nacional soltou vários deles nas ruas e estradas a preços mais baratos ainda. A pavimentação das ruas e estradas começou e, bem, as ferrovias passaram a receber do governo cada vez menos investimentos (a partir de 1950, quase todas as estradas de ferro eram estatais; depois de 1961, todas eram).

Porém, é interessante ver qual era a situação das ferrovias um pouco antes da guerra. Numa reportagem do início de 1939, do jornal Folha da Manhã, um resumo do status de então da Sorocabana foi apresentado aos leitores. É interessante fazer a transcrição de algumas partes: "de vez em quando, surgem as deficiencias de transportes, que atestam que as ferrovias se deixam superar pelo surto economico traduzido em excesso de cargas. Era frequente a congestão do trafego entre São Paulo e Santos. (...) Ultimamente não surgem mais queixas e sua ausencia se deve atribuir aos serviços prestados pela estrada de rodagem, que recebe parte apreciavel do trafego, descarregando a estrada de ferro e permitindo-lhe manter em dia os seus transportes."

Portanto, apesar de o Caminho do Mar ser a única rodovia pavimentada então, ela já tinha participação ativa no transporte de mercadorias e pessoas. O concorrente já começava a mostrar os dentes. E continuavam, depois: "A Sorocabana, desde que passou às mãos do Estado, veio melhorando continuamente a sua situação quanto á abundancia do material rodante. Mas o ritmo de crescimento do valle do Paranapanema excede sempre o progresso da nossa grande estrada de ferro. E repetidamente se declaram crises, como a actual, que tanto está preoccupando a população do extenso sector por ella servido."

Aí vem o problema da falta de vagões, crônico nos anos 1930 e 40: "Neste momento, clamam por vagões os caféicultores da zona da Sorocabana, cujos embarques estão em atraso. Naturalmente, o governo do Estado e a direcção da estrada já previram, em tempo, a congestão, tendo providenciado para o reforço do material rodante. Mas até que esse reforço cheque e entre em funcção, a falta de vagões perdurará ainda por apreciavel espaço de tempo."

A reportagem é boazinha demais na crítica. A falta de vagões continuaria ainda por muito tempo e era crítica em ferrovias como a Sorocabana, a RVPSC e a Central do Brasil nessa época. Se houve de fato investimentos na aquisição de unidades, eles foram claramente insuficientes e foram, evidentemente, mais um fator que contribuiu para a decadência das ferrovias pelo simples fato de que, bem ou mal, começaram a se usar cada vez mais caminhões para o transporte pelas péssimas estradas de então diretamente para o porto de Santos e outros.

"É pena que a zona da Sorocabana não seja dotada de uma rede rodoviaria que a desafogaria, entrando os caminhões a collaborar com as locomotivas no escoamento do café retido pela carencia de vagões." E segue: "Se o café, que paga altos fretes e porisso tem preferencia, não consegue transportes, imagine-se o que estará acontecendo com os cereaes, madeiras e outras mercadorias de que a Sorocabana é o celleiro. (...) Estamos certos de que as providencias necessarias estão sendo tomadas com a urgencia e desejamos applaudil-as quando realizadas."

O redator estava errado quanto à última afirmação. As providências não foram tomadas, pelo menos com o vigor que precisavam e aos poucos as estradas foram sendo asfaltadas, os caminhões aumentando em número e ao final de quinze anos apenas o quase-monopólio ferroviário passou para um quase-monopólio rodoviário. Deu no que é hoje. Todos perdem, menos os caminhoneiros.

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